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Entrevista com a SOLTRÓPICO (Agosto 2004)
 


Armando Ferreira, da SOLTRÓPICO, foi pioneiro na oferta de Cabo Verde enquanto destino turístico. Aqui, dá-nos a sua visão de um sector de extrema importância para Cabo Verde.

PORTAL PORTUGAL CABO VERDE: Quando e porquê Cabo Verde?
SOLTRÓPICO: A origem desta vocação da Soltrópico prende-se com a minha própria ligação a Cabo Verde. De facto, logo que terminei os meus estudos, nos seminários do Espírito Santo, fui colocado na Praia. Entre diversas actividades pastorais acabei dando aulas de música no Liceu então denominado Adriano Moreira, depois também na Escola de Professores de Posto da Variante e, mais tarde, ainda na Escola do Magistério, que entretanto foi instalada pela primeira vez em Cabo Verde. Abri mesmo uma Escola de Música, que funcionou fugazmente na Cruz Vermelha. Como tudo isto era pouco, dediquei-me ainda à rádio, tornando-me Director de produção da Rádio Clube de Cabo Verde, entre 70 e 72.

Os três anos que passei em Cabo Verde, entre os 24 e os 27 anos de idade, deixaram marcas profundas, como se poderá imaginar. Vim a casar com uma caboverdeana, trouxe comigo numerosas relações e conservei sobretudo uma apreciação profunda, embora crítica, do que considero ser a idiossincrasia cabo-verdiana: partilha total do que se tem, e às vezes até do que se não tem; uma cultura simples mas arreigada, com base na língua, o crioulo, na música, em especial a morna, na dança, na família, na "sodade"; um orgulho ilhéu, por vezes desmedido, mas que fornece uma plataforma natural para a relação desempoeirada e objectiva. Nada mais natural pois, no meu regresso de Bruxelas, onde entretanto tinha passado 10 anos, evitando a guerra colonial, do que imaginar um projecto virado para Cabo Verde. Foi precisamente assim que acabou por surgir a Soltrópico, em 1990.

A Soltrópico surgiu em 1990, e pelos antecedentes descritos, logo dedicou especial atenção a Cabo Verde, quando este arquipélago era ainda um destino turístico pouco conhecido. O Sal não tinha mais que dois hotéis, o Morabeza e o Belorizonte; na Praia existia o Praia Mar e o Marisol; no Fogo o Xaguate; em S. Vicente o Porto Grande; acabava de aparecer o Dunas na Boavista. O resto eram pequenas pensões sem vocação para a actividade hoteleira. Apresentámos Cabo Verde ao mercado como um destino multifacetado. De montanha em Santo Antão, São Nicolau, Fogo e Santiago; de praia no Sal, na Boavista e no Maio; de pesca e mergulho em diversas ilhas e, acima de tudo, de convivência, sobretudo para os portugueses, devido às raízes comuns, à língua e à cultura forjadas na mesma caminhada. A música, atraindo turismo, tem beneficiado enormemente dele. Veja-se só a proliferação de artistas que graças aos hotéis, às novas rotas aéreas e a outros apoios têm podido singrar e estabelecer-se como um sector marcante na imagem que Cabo Verde tem imprimido pelo mundo além.

O mercado emissor da Soltrópico resume-se a Portugal ou terá também outras origens?
Ao longo dos 14 anos de operação turística a Soltrópico levou a Cabo Verde perto de 50.000 turistas. Este contingente só foi ultrapassado recentemente por um operador italiano que beneficia desde há vários anos de céus abertos, algo que só este ano pudemos beneficiar em Portugal e que ainda não vigora para a maioria dos mercados em que geramos fluxos turísticos para Cabo Verde. De facto, a nossa operação caracterizou-se desde cedo pela sua universalidade, assemelhando-se por vezes a uma sementeira. É assim que trazemos a Cabo Verde, desde há anos, para além de portugueses, turistas espanhóis, franceses, italianos, alemães, suíços, belgas, holandeses, dinamarqueses, checos, russos, etc.. Actualmente, estamos a desenvolver de modo sistemático, em alguns destes mercados, acções que conduzirão a breve trecho a operações de maior vulto, as quais contribuirão decisivamente para sustentar o novo surto hoteleiro que se avizinha para Cabo Verde.

Quais têm sido as actividades e os investimentos Soltrópico em Cabo Verde?
A Soltrópico adoptou, desde cedo, uma filosofia de implantação no terreno, que consiste em não esquecer a descontinuidade do território deste país, por um lado, e o inevitável e consequente isolamento relativo, por outro lado. Desde logo, os serviços criados para o desenvolvimento do projecto turístico do operador começam por respeitar esta realidade e assentam na iniciativa local. Em cada ilha foi nascendo, à sombra da Soltrópico na maioria dos casos, mas sempre por iniciativa local, uma estrutura de serviços de acolhimento e receptivo virada para o Turismo, com mentalidade turística. Hoje, todas estas estruturas, 100% cabo-verdianas e autónomas, encontram-se viradas para os fluxos turísticos e dependem cada vez menos da venda de bilhetes aéreos, actividade clássica das agências de viagens, mas que se encontra em acentuado declínio.

A Soltrópico abriu a Morabitur em 1996, em parceria com a Praiatur, um operador turístico grossista em Cabo Verde, e tem vindo a preparar os mercados europeus, e mesmo alguns outros, para as circunstâncias que se aproximam, ou seja, de um maior liberalismo e concorrência. A Morabitur, doravante, terá um papel fulcral, não só na vertente de Receptivo, à qual se tem limitado, em conjunto com os outros parceiros nas diversas ilhas, mas agora também nas vertentes de Turismo Interno, seu desígnio mais querido desde início, e de Turismo Emissor, finalmente propiciado por voos que poderão dar resposta adequada, em ligações, disponibilidade e preço, à procura já existente no país para esta vertente da indústria. Tendo Cabo Verde acedido recentemente a um nível mais desafogado no concerto das economias mundiais, os cabo-verdianos aspiram, como qualquer outro povo, a conhecer o mundo, em ambiente já não apenas de trabalho, mas também de lazer. A Morabitur tem há já alguns anos esta percepção, e será o primeiro operador caboverdeano a propor aos compatriotas, e outros residentes em Cabo Verde, um leque de destinos turísticos a preços realmente atractivos.

Mas nem tudo têm sido rosas. A inacção das autoridades caboverdeanas e a regressão das políticas da Companhia Aérea Nacional, os TACV, no tocante à promoção do Turismo, no país e fora dele, nada acrescentaram à imagem externa de Cabo Verde, desde 2001; nomeadamente em Portugal, e excepção feita, inexplicavelmente, da Itália e, em parte, da Alemanha. Só graças a uma persistência raiando o estoicismo, a Soltrópico, e alguns outros operadores de diversos países da Europa Central, resistentes e amantes de Cabo Verde, mantiveram o ânimo e capacidade para empreender uma reviravolta.

Quais serão as vantagens para Cabo Verde na liberalização do espaço aéreo Lisboa-Sal?
Com a abertura do espaço aéreo entre Lisboa e a Ilha do Sal a Soltrópico, em parceria com a Air Luxor, logrou, em Abril passado, abrir uma rota “charter” entre Lisboa e Sal. Por entre resistências, que em parte se podem considerar naturais, esta operação tem sido um sucesso. Certamente porque os mercados sabem distinguir as diversas facetas em presença: o transporte aéreo regular, incluindo o de negócios, o transporte étnico e, à parte, o transporte “charter” e de turistas. A nossa aposta foi, e continua a ser, virada para o turismo e defendemos com sustentação que a recente abertura dos céus trará mercado novo a Cabo Verde em todas as vertentes: afluirão muito mais turistas ao país, ao preço certo, que é mais económico porque os ciclos dos turistas são extremamente regulares (uma semana ou no máximo duas), permitindo uma rentabilização diferente dos lugares, relativamente à irregularidade de ciclos de viagem dos mercados étnico e de negócios.

É por isso que pensamos também que as companhias tradicionais na rota não têm que tentar barrar o caminho às que entram com a liberalização, pois os mercados são distintos. Mais, são geradores de mais-valia mútua. O exemplo do Brasil é elucidativo, ao verificar-se que a TAP e a Varig, companhias tradicionais naquela rota, vieram a aumentar exponencialmente as suas rotações para os destinos do nordeste após a abertura dos céus para aquela região eminentemente turística do país do samba. Por isso sustento que a TAP e os TACV só terão a ganhar em acolher a Air Luxor como parceiro e não como inimigo a abater, como parece ser o caso.

Finalmente, o transporte inter-ilhas. Também aqui os TACV, cuja actuação devia ser construtiva, tanto mais que exercem um monopólio "de factu", têm cedido à tentação do ataque cerrado à concorrência que se perfila. Dias virão, e estão provavelmente à porta, em que a Companhia lamentará não ter aproveitado a ocasião que passa. A abertura do Aeroporto Internacional da Praia será um marco importante e criará condições de excepção na melhoria dos transportes inter-ilhas ao libertar meios que permitam uma mais eficiente disseminação de turistas pelas outras ilhas promovendo o desenvolvimento económico e social desses destinos.

Uma palavra sobre o potencial do sector em Cabo Verde vs Plano de Desenvolvimento Turístico
Uma breve palavra sobre o Plano de Desenvolvimento Turístico, infelizmente bastante crítica, perante a sucessão de iniciativas logo abandonadas, que em nada propiciam o aparecimento de qualquer projecto sério para o Turismo. Esteve para ser feito há dois anos um Livro Branco do Turismo, radiografia incontornável para o início da construção de qualquer plano sério para o Turismo em Cabo Verde. O PROMEX inviabilizou-o, alegando que estava ele próprio a escrevê-lo... Bem se vê o que aconteceu, como, de resto, em muitas outras coisas: Feiras na Europa, Formação Turística, criação e promoção de uma Imagem Institucional, etc... Tenho para mim que só a sociedade civil levará a bom termo esta tarefa, embora com o necessário beneplácito dos poderes públicos, em parcerias público-privadas. Por uma razão muito simples: são os empresários do Turismo que estão prejudicados pelas hesitações e atrasos da planificação global. Como recentemente foi reestruturada a UNOTUR (União dos Operadores Turísticos de Cabo Verde), que agrupa já a nata dos empresários do turismo e tende a ver engrossar as adesões perante a perspectiva de realizações efectivas e importantes no seu seio de projectos ligados ao Turismo, deixo aqui um voto de confiança de que em breve as coisas mudarão. O governo rectificará a inacção de algumas das suas estruturas, apoiará quem, de facto, pretende acção e inovação. Os empresários ganharão confiança e arriscarão, as autoridades aduaneiras compreenderão quanto estão a travar o progresso e darão fluência à circulação de bens. Os obstáculos levantados por quem ainda detém monopólios serão vencidos e cederão o lugar à missão reguladora e fiscalizadora, mas facilitadora, das tutelas. E os turistas voltarão a morrer de amores por um Cabo Verde de pessoas adoráveis, abertas, acolhedoras e activas; de praias com que nem sonhavam; de montanhas e vales de cortar a respiração; de cantares e tocares pelo serão, de preços como no Brasil ou na Tailândia; competitivo e próspero. Enfim, prenhe de morabeza, de iniciativa, de abertura, de criatividade.

Ou serei eu que estou a sonhar?...

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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