Texto integral do discurso proferido por Sua Excelência o Primeiro Ministro de Cabo Verde no Fórum "Investir em África", em Lisboa, a 05 de Maio de 2005.
"Confio no futuro da África. E quero partilhar esta minha confiança com os empresários portugueses. Investir em Africa é uma prioridade. A África precisa de investimentos para criar riquezas e engajar-se na via do desenvolvimento.
Desejo, pois, destacar a oportunidade deste II Fórum Investir em África. Felicito o “Diário Económico” pela iniciativa, do mesmo passo que agradeço o honroso convite que me foi dirigido para estar aqui hoje.
A Africa é um mundo rico de recursos e de cultura. Um continente de mulheres e homens sedentos de paz, de liberdade, de desenvolvimento, enfim, de dignidade. Nem sempre as lideranças africanas estiveram à altura das aspirações, dos sentimentos e das exigências dos cidadãos e da sociedade. Mas, felizmente, hoje em dia, a democracia vem ganhando espaços. Há alguns progressos na esfera económica. A criação da União Africana reflecte já uma vontade politica de fazer diferente e de construir alianças e parcerias para fazer face aos problemas do continente. Iniciativas como a NEPAD são passos importantes na assumpção pelos africanos do seu próprio futuro.
Nesta era da globalização, a Africa deve engajar-se num profundo processo de transformação politica, social e economica para poder acompanhar as mudanças que ocorrem no mundo e inserir-se de forma activa na dinâmica da economia mundial. Às lideranças africanas cabe um papel decisivo. Lideranças comprometidas com os interesses do continente. Lideranças imbuídas de um alto sentido moral e sintonizadas com as aspirações dos cidadãos e da sociedade. Lideranças portadoras de uma visão de futuro capaz de mobilizar a sociedade para a realização do desígnio comum. Enfim, lideranças capazes de promover a paz e a estabilidade social e afastar de vez o espectro de conflitos e de guerras que aniquilam todo e qualquer esforço de desenvolvimento e depauperam as capacidades institucionais e humanas do continente.
A comunidade internacional tem um papel importante nesse processo, fomentando e apoiando as experiências positivas. É preciso premiar os bons governos, aqueles que investem na democracia, nas liberdades económicas, no capital humano.
A construção do Estado é uma questão prioritária da agenda africana. Temos de ter em África Estados que funcionem, sejam credíveis e respeitem as suas obrigações face aos cidadãos e face à comunidade internacional. Estados que respeitem a diversidade e promovam o dialogo intercultural. Enfim, Estados que sejam promotores do desenvolvimento e do bem comum. Se nós as lideranças africanas agirmos nesse sentido, criaremos as condições ambientais favorecedores da competitividade da economia e da densificação do sector privado, que é, deve ser, o motor do processo de desenvolvimento do continente africano.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Cabo Verde tem feito progressos contínuos desde a independência, em 1975. Somos um país credível com uma inabalável vontade de vencer os desafios. Em 30 anos, multiplicamos o PIB per capita em mais de sete vezes, passando de 200 a 1.500 dólares. Reduzimos a taxa de analfabetismo de 60% para menos de 25% e garantimos o acesso universal ao ensino. A prioridade dada à educação leva-nos a ter hoje uma população escolarizada e facilmente adaptável às exigências da modernidade. Graças aos investimentos feitos no ensino superior temos recursos humanos capazes de fazer funcionar uma administração e uma economia modernas.
Cabo Verde qualifica-se em 3º lugar na África sub-sahariana no que respeita ao Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas e está na dianteira em vários indicadores sociais, como a taxa de mortalidade infantil e a esperança de vida. Tanto o Banco Mundial como as Nações Unidas consideram que Cabo Verde está no bom caminho para atingir os Objectivos do Milénio. Alguns desses objectivos já foram, aliás, atingidos.
Temos hoje um Estado democrático em Cabo Verde. Um Estado respeitador das liberdades e dos direitos dos cidadãos. Um Estado onde as instituições funcionam e são respeitadas. Um Estado onde há transparência e prestação de contas, onde os cidadãos e a sociedade controlam efectivamente o poder político. Tem havido alternâncias políticas no quadro de eleições livres e transparentes, quer legislativas, quer presidenciais ou ainda autárquicas. A paz e a estabilidade são uma realidade. Melhor ainda: são um factor de desenvolvimento.
Se é verdade que o país cresceu, também é verdade que as fragilidades e as vulnerabilidades são ainda muitas. A pobreza e o desemprego são problemas sérios a resolver. Estamos conscientes de que o caminho ainda a percorrer é longo. Mas o caminho já feito encoraja-nos a prosseguir.
Cabo Verde esta num processo de transformação. Trata-se de criar as condições para um crescimento sustentado, alicerçado em factores de competitividade da economia. Estamos a criar um tecido empresarial forte, produtivo e competitivo, no qual o sector privado é chamado a ter o papel principal.
A economia tem registado um crescimento robusto, à volta de 5% ao ano, crescimento esse realizado em ambiente de estabilidade macroeconómica e de baixa inflação, a qual registou valores negativos em 2004: cerca de -1,9%. O défice orçamental deve situar-se em menos de 3% nesse mesmo ano. As nossas previsões e as previsões do FMI e do Banco Mundial coincidem em indicar que essas tendências manter-se-ão nos próximos anos, mas com um forte aceleramento do ritmo de crescimento. Esperamos um crescimento do PIB superior a 7% em 2005. O regime cambial está ancorado na convertibilidade do escudo cabo-verdiano e na paridade fixa com o euro. Trata-se de uma solução que dá confiança aos agentes económicos e reduz o risco cambial nas transacções.
A boa governação tem constituído um recurso estratégico. Temos pautado a nossa actuação pelo rigor, eficácia e transparência na gestão da coisa pública, pela prestação de contas e pela credibilidade das instituições. As metas acordadas com os organismos internacionais têm sido cumpridas. Por isso, e não obstante a sua pequenez, Cabo Verde é um país altamente credível no plano internacional. Uma prova disso é a selecção de Cabo Verde pela Administração americana para o Programa Milenniun Challenge Account (MCA), com base num painel de critérios ligados à boa governacao, às liberdades económicas e aos investimenos sociais. Num grupo de setenta paises, Cabo Verde ocupou o 1º lugar em Africa e 2º lugar no mundo.
A passagem da ajuda pública ao desenvolvimento para um modelo de ajuda orçamental testemunha a confiança que a comunidade internacional deposita na gestão do país. É para reforçar a credibilidade externa que o país está em vias de aderir à OMC. Essa adesão poderá resultar em possibilidades acrescidas de integração e de participação no comércio internacional, estimulando por essa via o investimento.
Paralelamente, desenvolvemos uma série de reformas visando criar um ambiente geral facilitador da actividade económica e do investimento. Referimo-nos, em particular, às reformas fiscal, da justica, da administração pública, da previdencia social e da legislação laboral.
Esta nova etapa passa por um maior protagonismo das empresas, no quadro de uma economia movida pelo sector privado. Ao Estado cabe um papel regulador e facilitador do desenvolvimento económico. De resto, já está em funcionamento um conjunto de agências de regulação independentes do Governo.
As privatizações estão a ser concluídas, faltando apenas as relativas aos transportes aéreos e à exploração portuária.
A graduação de Cabo Verde a país de desenvolvimento médio mostra que o país está a seguir a melhor via. Também significa que temos de passar de um crescimento no qual o investimento público apoiado na ajuda ao desenvolvimento tem um peso considerável, para um crescimento movido pelo sector privado. Queremos inaugurar uma nova era de investimentos privados mais ambiciosa e inovadora. Investimentos capazes de gerar riquezas, de trazer uma atitude empresarial nova e de estimular a elevação das capacidades de gestão e de liderança, tanto nas organizações públicas como nas privadas. É neste quadro que o Governo encoraja a criação de parcerias público-privado para estimular o investimento. Alguns exemplos envolvendo empresas portuguesas comprovam a eficácia destas soluções. Citemos apenas os casos recentes de parcerias para a construção de aeroportos e de estradas.
Cabo Verde é uma nação global espalhada pelos quatro cantos do mundo, forjado num intenso dialogo de culturas e de civilizações. Este tem sido um fermento para a transformação económica, social e cultural do país.
Temos, neste mundo globalizado de hoje, de construir parcerias e alianças que deverão funcionar como âncoras de desenvolvimento. É nossa opção política e estratégica construir uma parceria especial com a Uniao Europeia e densificar a nossa vocação atlântica, enquanto país que é ponte entre a Europa, as Américas e a África. Cabo Verde pretende ser um pais útil que põe a sua localização geoestratégica ao serviço da paz e da estabilidade no Atlântico e no mundo.
Senhores Empresários, Minhas Senhoras e Meus Senhores,
A estratégia de transformação do país repousa, num primeiro momento, em sectores que têm potencial para serem motores de crescimento da economia, como o turismo e a indústria ligeira, e na construcao de vantagens competitivas nos domínios dos transportes aéreos e marítimos, das pescas, dos serviços financeiros ou ainda dos serviços ligados à comunicação e à informação. O turismo é o sector que dispõe de maior capacidade para fazer crescer a economia. As condições existentes fazem-nos crer que Cabo Verde tem potencial suficiente para ser um sério competidor no mercado mundial do turismo. A contribuição do sector para o PIB quase duplicou entre 2000 e 2004. O transporte de passageiros cresceu em 71%. O número de visitantes registados nos hotéis quase triplicou nos últimos cinco anos. Dentro de dois anos o país disporá de mais três aeroportos internacionais, estando o da Praia já concluído e os outros dois, na Boavista e em S.Vicente, em construção. Essas infra-estruturas virão certamente dar um grande impulso ao turismo. Temos previsto a construção de marinas, nas principais ilhas. Aprovámos recentemente a legislação que autoriza o funcionamento de estabelecimentos de jogo. Devo referir que já há interessados em investir nessa área. A indústria ligeira de exportação é um sector que oferece possibilidades de investimento. Parques industriais funcionam já na Praia e no Mindelo e temos a intenção de estendê-los a outras regiões do país.
A deslocalização de indústrias está na ordem do dia com a entrada da China no mercado dos têxteis. Sem querer entrar nesta problemática, deixo a seguinte ideia: por que não pensar em Cabo Verde como terra de acolhimento? Vários acordos preferenciais permitem que produtos industriais de Cabo Verde entrem nos principais mercados mundiais com total isenção de direitos e sem quotas. Citemos os Estados Unidos da América, através do AGOA, o mercado europeu através da iniciativa “Tudo excepto Armas”, o mercado canadiano, através da Canadian Iniciative for Development, ou ainda o mercado da CEDEAO.
Cabo Verde tem todas as condições para se transformar numa placa giratória regional e internacional de passageiros e cargas, bem como de porto de transbordo marítimo. Os estudos para a criação de um “hub” aéreo e de transbordo marítimo mostram claramente a viabilidade desta estratégia e a sua importância para o desenvolvimento do país. O facto de termos conseguido a Categoria I da Aviação Civil é um factor potenciador dessas iniciativas.
Investimentos consideráveis já estão a ser feitos, incluindo a modernização do aeroporto do Sal, a montagem de um sistema de controle de tráfego aéreo na sub-região com as tecnologias as mais avançadas, a transformação da companhia aérea TACV numa empresa moderna, e o reforço da segurança dos portos e aeroportos em conformidade com os standards internacionais. Estão previstos investimentos nos portos e nos transportes marítimos.
As pescas são outro sector com potencial de investimento, sobretudo se tivermos uma visão alargada à região, uma das mais ricas em recursos haliêuticos. Cabo Verde tem possibilidade de dar apoio logístico e de servir de base para as frotas portuguesas que pescam na zona.
Quero dizer-vos ainda que pretendemos construir uma praça financeira internacional em Cabo Verde. Toda a legislação já foi aprovada, no sentido de garantir credibilidade e respeito escrupuloso pelas regras do direito internacional. Já existem iniciativas nesta área.
Continuamos apostados na construção da sociedade de informação. As tecnologias de informação e de comunicação são elemento indispensável de competitividade e factor de inserção de Cabo Verde na economia mundial. Também podem constituir um sector industrial importante para o país. Temos dado passos significativos nessa área. As nossas taxas de cobertura telefónica e de penetração da Internet são das mais elevadas de África.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Estamos a trabalhar com afinco para criar um ambiente económico que estimule o investimento e dinamize a actividade económica. Estabelecemos o rumo e as metas. Estamos a pôr de pé as infra-estruturas físicas, institucionais e legais necessárias. O pacote de incentivos fiscais e outros é estimulador do investimento. Neste momento existe um clima de elevado grau de confiança nas possibilidades da economia. Isto é evidenciado pela dinâmica crescente das propostas de investimento externo. Boa parte das propostas de investimento vem de Portugal, facto com que me congratulo. Convido os empresários portugueses a redobrarem os esforços de investimento em Cabo Verde, na certeza de que serão bem acolhidos. Também nesta área temos de fazer valer as afinidades históricas e culturais que sustentam a excelência das relações entre os nossos dois países.
Muito obrigado."
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