Consciente dos sérios constrangimentos que se vive no sector da Energia, o Governo de Cabo Verde, no quadro do Programa de Política Energética (clique para aceder ao documento) e apoiado numa Linha de Crédito disponibilizada por Portugal (100 milhões de euros), avança em várias frentes para a resolução das deficiências que vão da antiguidade da rede instalada ao custo elevado da produção de energia agravados pela insuperável insularidade do País. O Director Geral da Energia, Engº Abraão Lopes, fez, para o “Portal Portugal Cabo Verde”, uma súmula das mais recentes medidas para enfrentar o que em certas ilhas representa um drama: a insuficiência e irregularidade no fornecimento de energia eléctrica.
Qual é o nível de produção actual do sistema eléctrico caboverdeano?
Nós temos um mercado pequeno. Estamos a falar de uma potência instalada total a nível nacional de cerca de 90 Mw, dos quais são garantidos, praticamente, 97,5% através de geração convencional e o remanescente através de energia eólica. Temos cerca de 2,4 Mw em eólicas a funcionar neste momento -em Santiago, São Vicente e Sal. Estamos a falar de uma potência instalada que é irrisória; praticamente idêntica a uma central eléctrica da nossa vizinha Senegal, por exemplo. O nosso rácio de consumo anual de electricidade “per capita” é ainda muito baixo. Se considerarmos o padrão internacional deveríamos estar a consumir cerca de 5 vezes mais. Infelizmente, porque temos tido um programa intensivo de aumento das capacidades de produção eléctrica diesel, a maior parte dessa energia é produzida com base em consumo de combustível.
De acordo com as estatísticas, até Dezembro de 2009, há uma tendência de redução de contribuição da eólica do total da energia a nível nacional, mas isso não se deve à inoperância, por exemplo, dos parques eólicos mas deve-se ao aumento da potência diesel e isso, proporcionalmente, acaba por ditar o decréscimo. O que é certo é que estamos neste momento a apostar fortemente nas energias renováveis e prevemos até finais de 2010 e primeiro semestre de 2011 cerca de 25% da taxa de produção por energias renováveis. Esses 25% significarão cerca de 35 Mw de potência instalada, mas que irão contribuir com uma taxa de penetração entre 25%-30%; dependerá do regime do vento e do regime solar que tivermos. A nossa previsão é que ultrapassaremos os 25% mas, por uma questão de prudência ficamos entre os 25%-30%. Isso será garantido por quatro parques eólicos com potência nominal instalada de 10 Mw na Praia, 6 Mw em São Vicente, 8 Mw no Sal e 4 Mw na Boavista e será complementada com dois parques solares fotovoltaicos (2,5 Mw no Sal, com opção para mais 2,5 Mw, e 5 Mw na Praia), que estarão prontos no terceiro trimestre de 2010. Estamos a contar que em Agosto, o mais tardar em meados de Setembro, teremos os parques solares a debitar energia para a rede. Isso irá contribuir para uma taxa de penetração de energia solar superior a 4%. Espero que Cabo Verde venha a estar em 1º lugar no ranking dos países, em termos de penetração de energia solar fotovoltaica na rede. Não existe taxa superior a 3,5%. Nós contamos ultrapassar os 4,5%; mas isso também tem a ver com a nossa pequenez e com o mercado.
Como referi, praticamente toda a energia produzida actualmente está baseada no consumo de combustível (gasóleo, mais caro, e fuel pesado) que acaba por acarretar custos extremamente elevados por cada Kw de energia produzida. A título de exemplo, os nossos cálculos apontam para um custo a rondar os 25 escudos (0,23 Euros) por cada Kw/hora de energia produzida. O desejável é introduzir a mudança tecnológica que for possível, utilizar o combustível mais barato possível –neste caso o fuel pesado– e por essa via reduzir o custo de produção de cada Kw para 14/15 escudos (0,13 Euros). À base de combustível dificilmente conseguiremos ultrapassar estes valores já que temos ilhas em que a potência instalada é cerca de 500 Kw, como é o caso do Maio e da Brava, onde tecnologicamente não é possível introduzir máquinas que consumam fuel pesado em pequena escala. Estou a falar, por exemplo, de potências inferiores a 1,5/2 Mw.
Que medidas estão a ser implementadas para ultrapassar os constrangimentos que refere?
Nos grandes centros de consumo, como as ilhas de Santiago, São Vicente, Fogo, Sal e Boavista, já estão em curso os grandes projectos centralização da produção, unificação das redes e eliminação das micro-centrais para que nós possamos ter a tal economia de escala que justifica a mudança tecnológica. Em Santiago o projecto já está muito avançado; estamos praticamente na fase de execução física dos projectos. Para Santo Antão, São Vicente, Sal e Boavista os processos estão na fase de assinatura dos contratos. Portanto, a partir de 2011/2012 praticamente todas as ilhas terão todo o sistema unificado, centralizado e toda a rede interligada. As ilhas passarão a ser servidas com distribuição de energia eléctrica através de uma central única, que é um dos grandes objectivos da nossa política energética.
Da mesma forma, pensamos introduzir a energia eólica como uma aposta muito forte nas energias renováveis; em todo o território nacional, onde tecnicamente isso seja possível. Como sabe, a nível internacional existem limitações técnicas em termos de penetração das energias renováveis, mas essa limitação é tanto maior quanto mais antiga e menos robusta fôr a rede. Infelizmente nós padecemos destas duas insuficiências; temos uma rede relativamente obsoleta, pouco robusta e temos um sistema micro, um sistema muito pequeno. Daí as nossas grandes limitações em termos de penetração de energias renováveis. Portanto, estamos a pensar que é possível irmos até 25%-30% na situação actual. Se introduzirmos melhorias nas redes, e estamos a trabalhar nesse sentido, se aumentarmos a nossa escala integrando as redes pelo menos por ilhas, acredito que estaremos em condições, nos próximos 2-3 anos, de aumentar ainda mais os parques eólicos e solares que estamos a construir neste momento. A nossa meta é chegar a 2020 com cerca de 50% de taxa de penetração e isso só será possível se integrarmos, melhorarmos, renovarmos as redes e aumentarmos o sistema para uma escala ligeiramente maior. Resumindo, a nossa meta é chegar a 2011 com 25% de taxa de penetração, 2020 com 50% da taxa de penetração das energias renováveis e ter, pelo menos, uma ilha 100% renovável. Já estamos a trabalhar no projecto de uma ilha 100% renovável (em principio será a ilha da Brava), para que a partir de 2011 comecemos o trabalho.
Mas aí não se coloca a questão técnica para a energia renovável, para uma ilha tão pequena?
Quando digo 100% renovável significa que vamos instalar a potência necessária para responder às necessidades energéticas com fontes renováveis mas, obrigatoriamente, teremos de ter um “backup” (um sistema de segurança) térmico convencional para situações que nós sabemos que podem surgir quando temos apenas fontes renováveis. Infelizmente a “renovável” tem a desvantagem de nem sempre ser possível garantir a continuidade do abastecimento apenas com o recurso às renováveis, portanto somos obrigados em muitos casos a duplicar o investimento, ter o “backup” térmico para compensar as baixas de potência das renováveis. A outra grande insuficiência da “renovável” é a intermitência da energia que pode ser produzida, a eólica por exemplo. É por isso que a taxa de penetração não pode ser tão elevada porque a energia eólica pela sua natureza tem picos, momento de alto e momentos de baixa, e isso introduz uma perturbação enorme na rede que pode, em alguns casos, deitar todo o sistema abaixo; inclusivamente provocar blackouts quando a taxa de penetração é extremamente elevada. Isso leva-nos a que nos situemos a um nível tal que havendo esta oscilação não provoque grandes danos no sistema, ao despacho da potência que normalmente é feita com máquinas de base e que tem que aguentar com toda a oscilação de alto e baixo da eólica. Em relação ao solar esse problema não se coloca mas, a grande insuficiência é o número de horas de sol que temos por dia; registamos uma forte incidência mas por um período limitado. Portanto tem que ser compensado a partir do momento em que o sol deixa de ter força suficiente para alimentar os parques.
Quais são os projectos existentes neste momento?
Estamos neste momento com uma gama de projectos extremamente importantes. Diria mesmo estruturantes para o sector em termos de aumento da capacidade de produção, em Santiago, na ilha do Sal, Santo Antão, São Nicolau e Boavista. Visamos atingir, em todas as situações, num prazo máximo de 2 anos, as reservas necessárias. Neste momento, infelizmente, nós não podemos dizer que temos reservas, principalmente nos grandes centros de consumo como a cidade da Praia. Daí que qualquer perturbação numa das máquinas de grande potência, como por exemplo paragem para a manutenção ou avaria repentina, implique, automaticamente, cortes parciais no fornecimento de energia. O nosso objectivo é chegar aos finais de 2011, início de 2012, com reservas necessárias (o chamado n-1) para que possamos responder convenientemente às necessidades energéticas a nível nacional (a nível de todos os concelhos do país). Estamos a trabalhar na integração das redes, esse é um projecto extremamente importante. Pela primeira vez vamos instalar uma linha de 60 mil volts, no âmbito da central única de Santiago, na cidade da Praia, na zona do Palmarejo (orçado em 44 milhões de euros para um prazo de execução de 15 meses e que contempla o reforço com mais dois grupos geradores de 10 Mw de potência cada); contamos ter este projecto já efectuado até Abril/Maio de 2011 pronto para transportar energia da central única até à localidade de Tarrafal de Santiago, no outro extremo da ilha. A centralização da produção e a interligação das redes vai permitir desactivar as pequenas centrais espalhadas pelo interior da ilha, optimizando o sistema electro-produtor, reforçando a produção e reduzindo os custos. A modernização, expansão e reabilitação das redes de produção irá ainda proporcionar uma eficiência na distribuição de energia, de modo a resolver o problema de abastecimento de energia eléctrica que se arrasta há vários anos. Com este projecto ter-se-á, finalmente, reservas de potência, particularmente na Cidade da Praia
Mas abordou-se a possibilidade de uma central no centro da ilha…
Por enquanto será a central de Palmarejo a fornecer toda a energia a ilha de Santiago, com possibilidade de construção de “backups” de emergência no interior de Santiago. A linha vai ter uma extensão cerca de 45 Km e vai ligar a central eléctrica de Palmarejo, à Calheta de São Miguel e incluirá duas subestações, uma elevatória de 20Kv para 60Kv e outra que irá reduzir a voltagem, em Calheta de São Miguel, de 60Kv para 20Kv. Esta segunda subestação poderá funcionar perfeitamente como um centro de distribuição do interior de Santiago servindo os Municípios de Santa Cruz, Santa Catarina e do Tarrafal. Eventualmente, será construída uma central de emergência nas proximidades destas sub-estações para responder a situações de avaria na rede que sai da cidade da Praia para o interior da ilha. Serão, assim, desactivadas as pequenas unidades de produção, reduzindo-se custos financeiros e problemas ambientais provocados utilizados pela utilização de gasóleo como combustível.
A mesma filosofia de projecto está a ser desenvolvida para Santo Antão, São Nicolau, Fogo e Boavista. Nas outras ilhas já estão praticamente unificadas as redes e a produção já está centralizada. O nosso objectivo de centralização das produções, em princípio, estará garantido até 2011.
O projecto é financiado principalmente pelo Estado caboverdeano e pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) mas envolve também a Agência Japonesa de Cooperação Internacional (JICA) e o Banco de Investimentos e de Desenvolvimento da CEDEAO (BIDC). A construção vai a ficar a cargo das empresas portuguesas CME e EFACEC.
Existe um potencial geotérmico, dado que se trata de ilhas vulcânicas?
A geotermia é uma outra vertente que queremos desenvolver e já existem alguns estudos prévios, mas foram feitos há muitos anos e nunca foram completados. Neste momento estamos a trabalhar com uma equipa técnica especializada, no âmbito da linha com crédito de Portugal, para avaliarmos o potencial geotérmico de Cabo Verde. Iniciámos os estudos de três ilhas -Santo Antão, São Vicente e Fogo- que deverão estar concluídos até finais de 2010, princípio de 2011 e em função dos resultados iremos tomar a decisão de avançar ou não com a construção de centrais geotérmicas. Os resultados deverão ser positivos. São estudos que exigem algum tempo por causa das prospecções; temos que fazer furos e medições, o que leva algum tempo. Mas a partir do primeiro trimestre de 2011 estaremos em condições de dizer se Cabo Verde tem ou não potencial geotérmico. Em princípio deve ter porque é um país de origem eminentemente vulcânica e ainda existem vulcões activos.
Em que áreas é que sente que é ainda possível, desejável, haver investimentos externos neste sector da energia?
O sector das energias renováveis esta completamente à disposição dos investidores e teremos todo o gosto em receber propostas e intenções de investimento nessa área. Evidentemente, os investimentos terão de ser devidamente estudados e devidamente localizados. Tudo depende das necessidades locais. Os investidores terão de avaliar previamente essa oportunidade mas Cabo Verde, neste momento, está completamente aberto para receber propostas, ideias de projectos no domínio das energias renováveis e da água dessalinizada.
O que é que lhe parece mais justificável visto que em termos de produção, provavelmente o Estado e estas instalações que a Martifer vai colocar irão garantir a produção nacional?
Nós estamos a desenvolver apenas uma vertente energética com a Martifer que é uma vertente renovável, sem incluir a eólica, essencialmente a solar fotovoltaica, geotérmica, as ondas do mar, etc. Mas não estaremos a esgotar, nem de perto, as nossas necessidades energéticas. O que estamos a fazer neste momento é utilizar de melhor forma possível os recursos que estão colocados à nossa disposição (100 milhões de euros decorrentes da Linha de Crédito disponibilizada por Portugal) para resolvermos os problemas actuais mas as necessidades energéticas em Cabo Verde estão a crescer exponencialmente; estamos a falar de 12 a 15% ao ano. Isso quer dizer que daqui a 2 anos seremos obrigados a fazer novos investimentos básicos para responder à procura crescente. Para as ilhas com potencial turístico, como a Boavista, a taxa de crescimento é muito superior. Portanto, nós temos de ter uma capacidade financeira, mas também tecnológica, para responder rapidamente às necessidades energéticas destas ilhas. Caso contrário estaremos a condicionar o seu desenvolvimento, principalmente do sector turístico. Acredito que com o mercado em crescimento surgirão novas necessidades de investimento e de certeza que o mercado estará muito mais receptivo.
A produção pode ser independente e, no entanto, a sua distribuição mantém-se restringida…
A distribuição de energia está, neste momento, concessionada à empresa estatal ELECTRA (clique para aceder ao site e obter diversa informação sobre a empresa). Essa concessão foi assinada em 2000 (válida por 36 anos) e neste momento encontra-se em vigor. Isso significa que toda a energia produzida, quer seja pela Electra, quer seja por um outro produtor independente, mesmo que a fonte seja renovável, terá de ser injectada na rede pública, neste momento gerida pela Electra.
E os preços de compra da electricidade por parte da ELECTRA?
A lei permite uma negociação entre o produtor independente e a concessionária. Não havendo consenso, aí pode ser chamado o regulador (Agência Reguladora Económica) para estabelecer uma tarifa de compra e venda; mas antes da entrada do regulador, geralmente, consegue-se chegar a um entendimento com a concessionária. E já existem pelo menos dois casos, um no Sal, outro na Boavista, e estão a funcionar normalmente.
Quem são esses dois produtores independentes de energia?
São as “Águas de Ponta Preta”, no Sal, com uma potência relativamente razoável, e que está a vender para a Electra, e a “Águas e Energias da Boavista”, que estará a funcionar sob o regime sub-concessão mas que praticará, na sua totalidade, a injecção de energia na rede. Para além destas duas não há mais nenhuma. Há um projecto privado para Santo Antão mas de uma potência muito reduzida, que ainda não está a funcionar, e esperamos que durante 2010/2011 entre em funcionamento.
O que vamos poder ter aqui é a concorrência entre diferentes formas de produção e aquela que produzir mais barato entregará a ELECTRA?
Essa deve ser a filosofia do mercado competitivo. Tragam-nos os projectos e quem apresentar as melhores condições terá forçosamente acesso à rede. Uma coisa é certa, nós não podemos obrigar a concessionária a adquirir uma energia mais cara do que aquela que ela produz, porque assim deixaríamos de ter o princípio da concorrência. Portanto, eu acredito que aparecerão projectos nas áreas de energias renováveis.
A prazo, pensarão na possibilidade da Electra deixar a produção e concentrar-se na distribuição, cobrança, fiscalização…?
Essa possibilidade existe. A própria Electra, neste momento, está a ser alvo de reestruturação. Não se fala ainda na desverticalização da empresa, mas é uma possibilidade que existe. Noutros países as duas coisas são separadas. Porque não fazê-lo em Cabo Verde. Esta é uma questão que ainda não está equacionada.
Nota final: Num país com diversos pólos urbanos e turísticos em perspectiva, a produção e fornecimento de energia assume enorme relevância como factor de sustentabilidade do desenvolvimento. A insularidade é um constrangimento mas os recursos necessários a uma aposta no sector estão presentes. Sol, vento, mar e muito provavelmente geotermia, são presença constante neste arquipélago. Numa economia que se quer competitiva, o Estado não deve ser o único garante desta preciosa “comodity” sendo desejável que o sector privado assuma também a sua quota de responsabilidade. Por eles esperam as autoridades caboverdeanas…
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